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A cabana do Pai Tomás. Reprodução Filmow

A polêmica entre TV e a representatividade

Aumento nas representatividades ou ausência delas?

A falta de representatividade no audiovisual é uma polêmica antiga que atravessa todas as áreas da indústria - da atuação à produção, passando pelo roteiro e direção. Essa realidade ajuda a manter um discurso preconceituoso e camuflar a diversidade dos grupos sociais.    

 

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), em uma pesquisa realizada em 2014, consta que o maior meio de acesso à informação da população brasileira é a televisão, meio preferido por 63% das pessoas que participaram do estudo. Por esse motivo, temas retratados por ela tornam-se parte do consciente do público. Apesar dos mais de 70 anos da chegada da televisão no Brasil, durante longos anos era quase zero a aparição de minorias sociais na televisão, seja em programas ou telenovelas.

 

A primeira atriz negra que protagonizou uma novela foi Ruth de Souza, que atuou em A cabana do pai Tomás, em 1969, duas décadas após a chegada do sistema televisivo no país. E há menos de 50 anos o primeiro personagem gay, interpretado por Zbigniew Ziembinski, foi retratado na novela brasileira O Rebu da TV Globo. Atualmente, com os avanços significativos na representação de negros, asiáticos, latinos, comunidade LGBTQIA+ e mulheres, outros personagem também ocupam o espaço da representatividade na televisão.

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Para Tomaz Penner, Doutor em Comunicação e professor universitário, essa crescente no número de representatividade da comunidade LGBTQIA+ dentro das produções, por exemplo, se dá por dois motivos: demanda social e interesse financeiro. "Temos uma demanda social para o aumento dessas representações, ou seja, há uma pressão do público, e essas provedoras entendem que precisam satisfazer o consumidor.  Não é apenas uma questão de ‘estamos conectados ao nosso tempo, somos super bonzinhos e vamos representar a representatividade porque somos legais’. O discurso é esse, mas, na verdade, a gente sabe que tem uma questão econômica por trás do consumo”.

Os estereótipos dentro das representatividades

Apesar do aumento de representatividade, muitas vezes esses personagens são apresentados cercados de estereótipos: o gay é sempre muito afeminado, engraçado ou tem uma trajetoria de vida muito dificil, a lésbica é sempre masculinizada; e a transgeneridade é mostrada em um aspecto feminino, geralmente composta por mulheres trans profissionais do sexo. “Cerca de 90% das vezes as produções fazem muito drama envolvendo o mundo LGBT. “Você não acorda todo dia triste e querendo chorar por ser gay como elas mostram”, diz a atriz bissexual Letícia Pedroso.

 

Beatriz Vieira, diz que as representações LGBTQIA+ são sempre muito vazias e que não representam necessariamente a realidade e que ela já vivenciou esses estereótipos. “Eu gosto de esportes e eu gosto de usar vestidos.  As pessoas não esperam que eu use vestidos, como se fosse super diferente só por eu ser lésbica. Eu sou muito sensível e vaidosa e as pessoas também não esperam isso, porque eu não posso ser assim?”, questiona. 

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Já na representatividade negra, os estereótipos que a cerca são geralmente negros que gostam de samba, moram em bairros perifericos, atuam em nucleos violentos, estão inseridos na ciminalidade, em cargos de porteiros, empregados domésticos ou motoristas. Raramente o negro era visto em papel de protagonista nas novelas. 

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Jonathan Azevedo, interpretando o personagem Sabiá, um traficante na novela A Força do Querer. Reprodução: Revista Quem Globo.

Os asiáticos nas telinhas

Outro grupo que é pouco representado nas telinhas são os asiáticos. Embora a televisão exista desde 1950, a primeira atriz asiática a aparecer em uma novela foi Cristiana Sano, em Roda de Fogo, no ano de 1986. E a primeira e única atriz a ser protagonista foi a Ana Hikari, em 2017, atuando em Malhação: Viva a diferença. 

 

Para os homens, essa representação veio um pouco antes, com Jui Huang, protagonizando Negócio da China em 2008. A jornalista Luciana Toda, diz que apesar de consumir pouco conteúdo com representatividade asiática, gostou de ver a atriz Danielle Suzuki em Malhação. “Uma asiática em ‘novela’, mas sem aquela impressão caricata. Era uma estudante comum, sem aquele estigma de ser super inteligente ou muito tímida (que geralmente descrevem a maioria dos asiáticos)”.

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Essa deficiência de representatividade na televisão não se aplica apenas ao Brasil. No ano de 2018, o site Deadline divulgou uma pesquisa produzida pelo TV Time (maior aplicativo de rastreador de TV do mundo), mostrando que, embora a televisão dos EUA esteja mais aberta a essas representatividades, ela ainda não reflete os diferentes grupos sociais do país. 

 

O jornal britânico The Guardian também apresentou uma pesquisa da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) que levantou dados da temporada televisiva de 2017-2018 e foi constatado que 91% dos programas são realizados por brancos e 84% por homens. Trata-se de um número preocupante, já que apesar dos óbvios sucessos de audiência dos conteúdos diversificados, pessoas brancas ainda ocupam grande parte dos cargos criativos. 

 

Para o estagiário de social media, Miguel Galdino, que se considera uma pessoa negra, essa problemática vai além das telas. "Sinto que tanto na música quanto no cinema e TV, o tema costuma ser retratado com certas contradições, principalmente nos grandes selos de produção. Por exemplo, um filme pode ter boa parte do elenco negro, mas e atrás das câmeras? Não existe esse respeito e cuidado, a equipe vai ser quase inteiramente branca. O mesmo com a produção de videoclipes e músicas/álbuns. A voz é negra. E o letrista? E o arranjador? E o diretor de vídeo? Aquilo que não vemos tende a continuar como está.” 

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Ana Hikari interpretando a personagem Tina em Malhação: viva a diferença. Reprodução: Gshow.

Representatividades ou necessidade de cobrir cotas?

Em consequência dessa situação, os telespectadores acabam acreditando na teoria que essas representatividades estão presentes nas telas apenas para  “cobrir cotas” e não há um cuidado sobre isso de forma genuína.

“Por exemplo, a Marvel, quando eles colocam um homem negro gay sendo um heroi é uma maneira de mostrar que essas pessoas podem ser superherois, mas não consigo não pensar no lucro. São empresas multibilionárias e precisam vender. São poucos os espaços nas artes que representam de uma maneira genuína e não em busca de um retorno financeiro”,  diz Beatriz Viera, assistente de social media e lésbica.

 

Tomaz Penner ainda completa: “é uma resposta a uma demanda social. Os veículos dentro do nosso sistema não são bonzinhos e não vão fazer as coisas sem interesse econômico por trás. Então eles atendem essas demandas por um lado e ao mesmo tempo não dá pra pensar que ela é de todo ruim que só faz isso pensando no lado financeiro e não há nenhum tipo de desdobramento, por que tem sim. Isso sendo representado por grandes audiências também vai naturalizando certos costumes e situações que antes eram impensáveis há muito pouco anos atrás”. 

 

Então, embora exista esse grande interesse financeiro pelas produtoras, ainda é muito importante esse crescimento das representações nas telas, pois ao mesmo tempo que a televisão e a indústria de mídia de modo geral reagem a essas pressões social, elas também naturalizam e fazem com que as pessoas avancem contra o preconceito.

A personagem Cassandra é mostrada vivendo uma vida com filhos, família, relacionamentos amorosos e afetivos, algo que não estavam acostumados a ver para pessoas trans; e Ivan quebra o padrão da transgeneridade ser sempre mostrada em um aspecto feminino. Portanto, ambas se tornam muito emblemáticas e consideradas um avanço para essa representação.  


Essas representatividades são apresentadas para que pessoas se encontrem no personagem, como foi a experiência de Galdino, em 2016, com o filme Moonlight. “Barry Jenkins lançou Moonlight e finalmente pude ver dois homens negros protagonizarem uma história de homoafetividade cujo roteiro principal não envolve pessoas brancas ou a hipersexualização. Em abril, esperei sedentamente pelo lançamento do álbum visual Lemonade, de Beyoncé, no mesmo ano. Embora produzido sob perspectiva de uma mulher negra como uma jornada de autoconhecimento e cura para outras mulheres negras, essa foi a obra que de fato expandiu os horizontes para que pudesse me reconhecer e entender como um jovem menino negro e, a partir daí (sem nenhum exagero), mudar toda minha vida”.

A desvincularização dos estereótipos sobre essas representações pode contribuir ainda mais com esse avanço. Atualmente temos alguns personagens que poderiam ser entendidos como uma boa representação já que se esquivam desses padrões.

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Alguns exemplos na representatividade LGBTQIA+ seriam a personagem trans Cassandra, interpretada por Liniker na série Manhãs de Setembro da Amazon, e o personagem trans masculino Ivan, interpretado pela atriz Carol Duarte na novela A força do querer da Rede Globo. 

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Carol Duarte interpretando o personagem Ivan de A Força do Querer. Reprodução: Jornal Daqui - O popular.

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