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A representatividade latino-americana no entretenimento

Na década de 40 o maior estúdio de animações do mundo lançava o filme Aquarela do Brasil. A obra introduziu seu primeiro personagem latino-americano, Zé Carioca, que aliás por muitos anos foi também o único, mesmo com toda popularidade da Disney com este público específico.

Nesta mesma produção, também aparece uma versão animada da notável artista Carmen Miranda, portuguesa erradicada no Brasil, que construiu uma carreira nos EUA. Sendo para a nação estadunidense um grande símbolo de sensualidade da mulher latina. Carmen em sua estádia na terra do tio Sam, tinha muitos apelidos, um deles sendo “A bomba brasileira” por conta de seu corpo escultural e jeito espalhafatoso. 

 

Na década de 60 é lançado em Hollywood um dos maiores clássicos dos musicais e do cinema, Amor Sublime Amor. O longa inspirado na história de Romeu e Julieta, tinha o objetivo de mostrar um pouco da cultura latino-americana no cinema, já que em sua história, a protagonista Maria, uma porto-riquenha, vive um amor proibido. Porém, por conta dessa falta de espaço e estereotipação, foi usada tática de mau gosto do brown face, inclusive para a própria protagonista. Uma atriz russa-estadunidense que forçava um sotaque quase cômico para sua interpretação. 

 

Por conta dessa dominação hollywoodiana, inclusive sobre outras culturas, os conteúdos originais dos países latino-americanos não puderam ter seu devido destaque. Impedindo que os verdadeiros donos dessa cultura pudessem mostrar seu trabalho audiovisual para o mundo e quebrar paradigmas e estereótipos. Impedindo também que estes artistas pudessem ter o mesmo espaço e oportunidades que outros, refletindo em situações como a de Amor Sublime Amor. A produtora brasileira Mayra Lucas relata que a principal dificuldade do profissional do audiovisual é impor sua cultura e originalidade diante dessa falta de espaço.

 “Desafio do entretenimento latino-americano é justamente tornar nossas histórias, as nossas particularidades, nossos sabores, nossas cores, nossas paisagens acessíveis para o mundo inteiro, acho que esse sempre foi nosso desafio".

O que causa a popularização das telenovelas em países latino-americanos, pois era o único conteúdo produzido inteiramente por seu próprio povo onde era possível se enxergar, poder ter sua cultura representada. As histórias dramáticas contadas na televisão conquistaram principalmente famílias de baixa renda, sendo também o meio de entretenimento mais acessível entre todas as classes. 

Porém com a chegada dos streamings o cenário teve uma pequena mudança. Ainda longe do ideal, com muita desigualdade, contudo com a popularização de conteúdos originais latino-americanos e também mais oportunidades e espaços para os profissionais e conteúdos com a cultura representada de forma certa. Mayra concorda que a plataformização do entretenimento é o caminho para melhorar a desigualdade nessa indústria: 

“É óbvio que o cinema americano é muito forte, ele é muito referência, ele está em todos os lares do mundo. Mas com o advento do streaming a gente vê uma pluralização do entretenimento”

Aliás com tal popularização, a discussão permitiu até mesmo correção da história, afinal houve uma regravação de Amor sublime amor, onde o elenco realmente representava sua nacionalidade, finalmente gerando algumas oportunidades. Além de mais espaço para o cinema brasileiro, já que diversas plataformas estão investindo em conteúdos do país. Porém a Mayra já demonstrou sua visão do segredo do sucesso para essa nova tática de venda de entretenimento:

Alguns trabalhos em streaming provam o destaque e melhorias quanto a representatividade latino-americana:

  • Jane, The Virgin (2014 - 2020) - A série, embora gravada por um estúdio estadunidense, possui um elenco majoritariamente latino. Conseguindo mostrar um pouco da cultura e até mesmo brincar com esteriótipos, houve até muito diálogos na língua de origem dos atores.

  • Em um bairro de Nova York - O filme dirigido por Fulano detal, asiático, tem seu elenco e equipe quase que todo latino-americano e a direção musical feita por Lin-Manuel Miranda, um nome que latino-americano que vem se destacando em Hollywood.

  • De volta aos 15 - A série brasileira produzida por Mayra Lucas teve grande destaque internacional, apesar que produtora declara que fica mais alegre pelo destaque no Brasil, sente seu trabalho mais valorizado.

  • Cidade invisível - Outra produção inteiramente brasileira da Netflix, que conseguiu trazer o folclore do país como um mundo fantasioso e teve grande audiência em território nacional e internacional.

“Então é importante que essas empresas de streaming olhem e vejam o quão importante é para o negócio deles que o brasileiro se veja na tela, que faz toda a diferença financeiramente falando.”

Voltando ao nosso início, muitas décadas depois da aparição de Zé Carioca, os estúdios Disney aos poucos trouxeram mais personagens, nos filmes A Nova Onda do Imperador, Viva - A vida é uma festa, e Encanto, produzido inclusive por Lin-Manuel Miranda. 

No Oscar desse ano, Encanto que mostra um pouco da cultura colombiana, ganhou a estatueta de melhor animação, porém a premiação mais importante do cinema não é tão amigável assim com os artistas latino-americanos.

Durante a história da estátua dourada, a representatividade latino-americana é quase nula. Nas categorias principais houveram apenas 5 mulheres indicadas e 2 homens. Em toda sua história apenas 1 diretor latino-americano ganhou o prêmio. Isto é reflexo tanto do preconceito da academia, quanto da falta de espaço e oportunidades.

 

O foco é maior valorização dessa cultura no entretenimento. Afinal até mesmo as telenovelas latino-americanas, são um grande exemplo da qualidade e interesse pelo audiovisual. O cinema precisa reconhecer esses pontos também.

Representatividade asiática no entretenimento

Os produtos audiovisuais asiáticos tem se popularizado no ocidente e garantido prêmios renomados como o Oscar. O recente fenômeno da cultura asiática entre os jovens acarretou a valorização das produções originais sem a necessidade de remakes por parte da indústria americana.

Até algumas décadas passadas, produções hollywoodianas ofuscaram longas-metragens inicialmente orientais, que consequentemente são mais lembradas devido a relevante distribuição para o mundo. Algumas dessas produções japonesas e sul-coreanas, nas quais tiveram os direitos autorais adquiridos e realizadas regravações são:

Apesar de filmes bem produzidos, a distribuição internacional não valorizou por preconceitos e estereótipos aplicados aos orientais, além de piadas referente a própria fisionomia de toda uma cultura, por vezes desrespeitadas em atuações americanas.

Uma prática que perpetua em grandes elencos é o yellowface, a prática consiste em personagens brancos e ocidentais usarem maquiagem teatral e objetos para imitar uma pessoa com traços asiáticos, especialmente com as pálpebras mais puxadas.

O ator Mickey Rooney, no clássico longa-metragem americano Bonequinha de Luxo - dirigido por Blake Edwards, lançado em 1961- pratica yellowface, ao fingir ser o senhorio Yunioshi, sendo um ator branco forçando uma descendência inexistente e aplicação de um padrão projetado de maneira errônea, como a dificuldade de enxergar devido aos olhos e a dicção incompreensível da língua.

Mesmo com essas deficiências ao longo dos anos, as produções orientais têm conseguido se destacar no mercado audiovisual mundial e exibir a cultura através de um novo olhar. Assim, tentando quebrar paradigmas e se inserir como potência.

Os filmes asiáticos garantiram espaço no circuito da mais importante premiação americana e registraram o nome na história. Na 92º edição da edição do Oscar, em 2020, o longa-metragem Parasita, dirigido por Bong Joon-ho e produzido na Coreia do Sul, levou a estatueta de Melhor Filme, sendo o primeiro filme em língua estrangeira a conseguir.

Já em 2021, na 93º premiação, duas mulheres levaram o prêmio para casa reforçando mais essa conquista: Chloé Zhao, como Melhor Diretora por Nomadland, e Youn Yuh-jung, como Melhor atriz coadjuvante em Minari. De acordo com a produtora Mayra Lucas:

“Dizem que a fórmula que a Coreia segue é americana, mas a Coreia tem seu entretenimento próprio faz muitas décadas, a diferença é que agora estamos podendo ter contado com eles.”

Para além das telas do cinema

As novelas coreanas e os doramas, séries de televisão e produções cinematográficas em países asiáticos, é o destaque nas plataformas de streaming.  A visibilidade e o aumento desse nicho destaca a representatividade através da representação.

Séries recentes em destaque são Round 6, Trinta e Nove e All of Us Are Dead. Todas disponíveis no catálogo da Netflix.

Para Luciana Toda, jornalista e filha de japonês, apesar de não assistir tanto as produções orientais, têm percebido essa crescente no mercado, até mesmo entre familiares nos quais se identificam com algumas situações e personagens.

“Hoje em dia, minhas tias-avós têm gostado de assistir "doramas", as novelas coreanas. Embora não seja a representatividade japonesa, da nossa origem, é algo com que elas se identificam.”

Com auxílio da plataformização de conteúdos, a proximidade com o dialeto e de certa forma uma representação mais próxima da realidade faz com que a jornalista recorde da infância e proximidade com a cultura, como na série Erased, de 2017.

“Gostei, por exemplo, de assistir Eraser (Netflix), porque algumas palavras me fizeram lembrar dos avós e tios-avós conversando. E relembrei palavras que já conhecia, mas não ouvia há muito tempo.”

Cena do filme Encanto, de 2021, da Disney

A representatividade negra no cinema ao longo dos anos

A desvalorização do cinema protagonizado por pessoas negras é escancarada nos resultados de circulação das produções, já que a indústria audiovisual sempre foi dominada por pessoas brancas e elitizadas. O racismo estrutural reforça a conduta do ofuscamento de uma cultura enraizada.

No Brasil, o filme Marighella, de 2019, apesar de ficar em primeiro lugar com maior número de exibição entre os filmes brasileiros, percorreu um longo caminho até ser autorizado e lançado de forma independente. No relatório divulgado pela Agência Nacional de Cinema, em 2021 o longa-metragem foi assistido por quase 300 mil pessoas e rendeu quase R$ 6 milhões nas bilheterias. Em contrapartida, o longa-metragem foi dirigido por um homem branco, Wagner Moura.

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Seu Jorge e Wagner Moura no set de Marighella. Foto: Ariela Bueno/Divulgação

As situações dentro do audiovisual, no qual a atuação de pessoas negras eram ausentes, são alarmantes desde o início da história do cinema. A constante inexistência de representação da população negra pode ser observada em filmes considerados clássicos nas telas e quando apresentadas eram em papéis de submissão, escravidão e, servidão.

Uma das discussões mais antigas no cinema é o blackface, a atuação de homens e mulheres brancos pintando o rosto de preto ou marrom para fingir-se negro. 

Não sendo o suficiente a atitude do blackface, os longas-metragens com esses personagens são considerados clássicos em conteúdo de referência e construção do cinema hoje. Um dos primeiros filmes com áudio O Cantor de Jazz, de 1927, um marco na indústria também carrega o racismo em que o ator Al Jolson se fantasia de negro.

Enquanto é considerado clássico, essas obras circulam nas plataformas de streamings sem a menor repreensão ou exposição do erro. Já o filme O nascimento de uma nação, em 1915, além do blackface, aponta os homens negros como vilões da América.

Avançando para o último século, produções cinematográficas como Corra, lançado em 2017, e Nós, em 2019, ambos do diretor Jordan Peele, abordam o racismo estrutural dentro de personagens principais negros e o gênero terror em meio ao suspense deixa exposto a discussão sobre a exclusão nos filmes americanos.

Para Miguel Galdino, estagiário em social media, Moonlight, dirigido por Barry Jenkins em 2016, foi quando passou a se sentir representado pela narrativa não apelativa no envolvimento dos personagens. 

Na premiação do Oscar de 2017, o longa-metragem ganhou a estatueta mais cobiçada da noite: a de melhor filme. Uma gota d’água no oceano se comparado com o total já entregue ao longo dos anos.

No decorrer das 94 edições da premiação, apenas seis pessoas receberam o prêmio de melhor ator ou atriz, sendo eles: 

  • Sidney Poitier, em 1964 por Uma Voz nas Sombras

  • Halle Berry, em 2002 por A Última Ceia;

  • Denzel Washington no filme Tempo de Glória, de 1990; 

  • Jamie Foxx na cinebiografia Ray, em 2005; 

  • Robert Whitaker em 2007 por O último rei da Escócia;

  • Will Smith em 2022, no filme King Richard

As demais premiações são de atores coadjuvantes em papéis secundários.

Já Aline Alves, de 18 anos, passou a se sentir representada no cinema ao ver o ator Will Smith em destaque nas produções, entrevistas e no tapete vermelho das grandes premiações do universo cinematográfico.

Contudo, Miguel e Aline ressaltam que apesar da representação ser relativamente parecida com a realidade vivida ainda não é exata ou correta. Para isso, a doutora em cinema, Ludmila Moreira, explica que a questão está enraizada nas exigências do público em ter o que nunca foi mostrado e os pedidos têm sido atendidos em doses homeopáticas.

Quando questionados sobre o que poderia melhorar nessas produções, os jovens indicam dois pontos nos quais se complementam: para Miguel, vai além da representação, pois por trás das câmeras a equipe é formada majoritariamente por pessoas brancas; enquanto para Aline as produções como um todo ainda permanecem tradicionalmente americanizadas. 

Para lidar com desvalorização dos filmes com personagens negros, diversas cidades realizam amostras ao longo do ano como a Mostra Internacional do Cinema Negro em São Paulo (Micine);  Mostra de Cinema Negro de São Félix, na Bahia; e a EGBÉ – Mostra de Cinema Negro de Sergipe.

A bandeira LBTQIA+ levanta debates no audiovisual

O grupo LGBTQIA+ apesar do crescente número de produções ainda se mantém estereotipado e causando infelicidades aos consumidores do gênero, desde o trans fake até realidades inexistentes dos movimentos.

Falta de representatividade trans e o trans fake
 

Alguns projetos independentes como o liderado por Renata Carvalho, travesti, atriz, escritora e transpóloga, Representatividade Trans Já, visa reduzir a atuação de pessoas cisgênero - as quais se identificam com o gênero de nascimento - em papéis representando transexuais. O movimento chamado trans fake tem sido trazido continuamente.

O manifesto Representatividade Trans reforça e exige a oportunidade e a própria representatividade por parte das equipes de audiovisual. Ao valorizar corpos trans e travestis em espaços de arte, abre uma porta para a quebra de tabus e preconceitos, além de expor diversas situações de transfobia.

Apesar de ter certa visibilidade, a indústria do cinema não destaca personagens fora dos padrões de beleza heteronormativos. É sempre apontado um processo de validação e passabilidade, no caso de pessoas transexuais, parecer fisicamente com o gênero no qual se identifica, de atores e atrizes.

De acordo com a doutora em cinema, Ludmila Moreira, a representatividade nada mais é que uma porcentagem dentro das produções no cinema. Já a representação é a própria atuação dos profissionais.

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Ator Eddie Redmayne interpretando Lili Elbe no filme Garota Dinamarquesa Foto: Divulgação

O filme Garota Dinamarquesa, 2015, é exemplo de atuação trans fake, onde o ator Eddie Redmayne interpreta Lili Elbe - primeira mulher trans no mundo a realizar a cirurgia de re-designação de sexo. Jared Leto, vocalista da banda Thirty Seconds to Mars, também já fez papel do mesmo tipo em Clube de Compras em Dallas em 2013.

Ambas atuações simulam trejeitos e estereótipos da feminilidade, símbolos femininos, como roupa, cores, acessórios e fala mais fina e delicada. 

No mês de dezembro de 2020, o ator, diretor e produtor Elliot Page, anunciou ser um homem transgênero e deu início ao processo de tratamento hormonal e mastectomia, retirada das mamas. Após o anúncio, diversos comentários de ódio foram referidos a ele, assim como reforço de antigas produções com o nome de nascimento.

Ocupando um dos principais papéis na série The Umbrella Academy - adaptação dos HQ’s de Gerard Way -, a equipe alterou o roteiro inserindo a transição de Elliot na série.

Em solo nacional, Danny Barbosa é a primeira roteirista e produtora transgênero no audiovisual brasileiro, integrante da equipe do premiado filme Bacurau de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.

Recentemente, a plataforma de streaming Netflix lançou alguns produtos de longa-metragem, como Alice Júnior, dirigido por Gil Baroni, e o documentário Transversais, de Emerson Maranhão, que retratam a realidade das vivências trans.

Em 2018, o filme colombiano dirigido por Sebastián Lelio, Uma Mulher Fantástica, foi o vencedor do Oscar de melhor longa-metragem estrangeiro, em que a protagonista Daniela Vega é transexual. A narrativa apresenta a vivência de uma jovem mulher trans e o companheiro que acaba de falecer, após o rompimento de um aneurisma. O drama discorre sobre a legitimidade de sua sexualidade, apenas pelo fato de não realizar a cirurgia de re-designação de sexo e não se encaixar no gênero masculino ou feminino. O destaque se dá por ser o primeiro produto audiovisual protagonizado por uma pessoa transexual a ser premiado pela academia.

Hunter Schafer, de 23 anos, iniciou a carreira como modelo, mas estreou como atriz interpretando Jules, na série Euphoria do canal de televisão HBO. Além da visibilidade na indústria do cinema, também é ativista dos direitos LGBT nos Estados Unidos.

A artista é modelo da marca italiana de moda de luxo Prada, sendo estrela nas peças publicitárias da empresa.

Outra artista em evidência é Lina Pereira dos Santos, de 31 anos, conhecida como Linn da Quebrada. A ex-BBB é cantora, atriz, compositora e ativista social. Através da arte, a jovem se impõe e continuamente coloca em questão a discussão sobre identidade de gênero e a constante transfobia sofrida. 

Linn se identifica como travesti, porém não-binária, ou seja, não se identifica com gênero masculino nem feminino. A atriz foi indicada em alguns festivais pelo documentário Bixa Travesty de Claudia Priscilla e Kiko Goifman. O longa conta a trajetória da artista como integrante do grupo LGBTQIA+ e os desafios no caminho artístico.

A inserção de pessoas transexuais e travestis no mercado é árduo e longo, há poucas políticas públicas de inclusão e as existentes são desenvolvidas pela sociedade civil, de forma independente. Essa ausência levanta o questionamento de que até quando haverá profissionais cisgênero cancelando ou impedindo o espaço da minoria.

E as outras letras? E

O público LGBTQIA+ não quer apenas um personagem representando a sexualidade estereotipada, mas, sim, a realidade para que outros não assumidos ou em vias de, possam se sentir acolhidos de alguma forma.

Em filmes que retratam personagens lésbicas, normalmente a busca é pelo final infeliz. O arco dramático costuma ser o mesmo: inicia-se pela descoberta do primeiro amor, ou a personagem se apaixona por alguém heterossexual; na sequência, conquista-a, o beijo acontece e encerra-se com o fim do relacionamento ou a morte de alguma dessas personagens.

O conjunto apresentado acima pode ser observado em Azul é a cor mais quente de 2013, Carol de 2016, Retrato de Uma Jovem em Chamas de 2019. Um dos poucos filmes reconhecidos com final positivo é Imagine eu e você de 2005. O longa é lembrado por Beatriz Vieira, mulher lésbica e que raramente assiste filmes protagonizados por mulheres lésbicas, pois já espera a tragédia e a impossibilidade do casal permanecer feliz.

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Rachel, interpretada por Piper Perabo, e Luce, interpretada por Lena Headey, no filme Imagine eu e você. Foto: Divulgação

Já em filmes com homem gay a dinâmica é a personagem ser extremamente afeminada violentada pelos pais e pela sociedade como um todo. Essa personagem provavelmente irá sexualizar-se para outros rapazes ou fingir ser hetero com desejos reprimidos. Em ambas as situações, dentro dos conceitos do psiquiatra Carl Gustav Jung, estes personagens se enquadram no arquétipo de tolo, como quem gosta de fazer piadas e se divertir, o alívio cômico nas produções.

Um clássico de homem gay enrustido é O Segredo de Brokeback Mountain de 2006, dirigido por Ang Lee. Os protagonistas se encontram escondidos para ter relações sexuais e agem como se a sexualidade fosse um constante erro. 

A orientação sexual diferente do normativo homem e mulher é abordada como difícil abordagem para aqueles que não tem familiaridade com o assunto e não consegue enxergar como produção de uma minoria em busca de visibilidade.

De acordo com Letícia Pedroso, atriz e estagiária bissexual, os personagens LGBT estão presentes para cumprir uma cota e nem caracteriza como representatividade, já que o roteiro é alinhado para a vivência do personagem ser apenas uma pessoa gay e nada além disso, sem conquistas e valores.

Nas demais letras da sigla - bissexual, queer, intersexo, assexual, pansexual, polissexual -, tem uma parcela minúscula ou inexistente nos filmes, normalmente retradas como pessoas confusas ou montadas em personagens fictícios. 

Dirigir e roteirizar um filme sobre grupos minoritários, relacionado a espaço em um universo, não significa especificamente a intenção de acreditar no contexto ali inserido.

Ludmila explica que a demanda por figuras não estereotipadas tem sido exigência do público. Os movimentos negros, LGBTQIA+, asiático, entre outros, não se veem nos filmes e, além disso, não se sentem parte da equipe, normalmente composta por homens brancos e cisgênero.

“Não existe certo ou errado nessas produções, pois a argumentação é válida"

Já Aline Alves, de 18 anos, passou a se sentir representada no cinema ao ver o ator Will Smith em destaque nas produções, entrevistas e no tapete vermelho das grandes premiações do universo cinematográfico.

Contudo, Miguel e Aline ressaltam que apesar da representação ser relativamente parecida com a realidade vivida ainda não é exata ou correta. Para isso, a doutora em cinema, Ludmila Moreira, explica que a questão está enraizada nas exigências do público em ter o que nunca foi mostrado e os pedidos têm sido atendidos em doses homeopáticas.

Quando questionados sobre o que poderia melhorar nessas produções, os jovens indicam dois pontos nos quais se complementam: para Miguel, vai além da representação, pois por trás das câmeras a equipe é formada majoritariamente por pessoas brancas; enquanto para Aline as produções como um todo ainda permanecem tradicionalmente americanizadas. 

Para lidar com desvalorização dos filmes com personagens negros, diversas cidades realizam amostras ao longo do ano como a Mostra Internacional do Cinema Negro em São Paulo (Micine);  Mostra de Cinema Negro de São Félix, na Bahia; e a EGBÉ – Mostra de Cinema Negro de Sergipe.

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